O CORPO NEGRO E A (IN)SEGURANÇA PÚBLICA: A POLÍTICA DA MORTE ENQUANTO MODUS FACIENDI NO ESTADO BRASILEIRO

Fábio dos Santos Gonçalves, Clarindo Epaminindas De Sá Neto

Resumo


 

Abertas as porteiras das fazendas e grandes casas, os ex-cativos brasileiros viram-se absolutamente desassistidos, ante a indiferença do Estado, que promoveu a vinda de imigrantes para o Brasil, buscando a ocupação dos espaços de inclusão no emergente capitalismo local. Frente a tal fato, os problemas sociais brasileiros evoluíram com o crescimento populacional, resultando em substantivas taxas de pobreza, miséria e violência. Para lidar com as transgressões aos códigos legais, resultantes das escolhas das classes dominantes, o Estado brasileiro adotou, desde sempre, um conjunto de políticas de repressão, que passa desde a imposição da pena de morte apenas para escravizados, trabalhos forçados, militarização das forças de repressão e, mais recentemente, a progressão do uso de tecnologias voltadas para o aniquilamento dos transgressores, em sua maioria jovens negros. Este trabalho questiona como uma orientação para segurança pública baseada em tendências necropolíticas afronta os princípios fundamentais constantes na Carta Magna da República Federativa do Brasil. Fazendo uso do método de abordagem dedutivo e de um procedimento histórico-monográfico, o trabalho leva o autor a concluir que as afrontas aos princípios fundamentais da Constituição da República Federativa do Brasil dão-se de diversas formas, engendrando estratégias de criminalização de pessoas negras, ao mesmo tempo em que operam pela diminuição dos investimentos em educação e em programas sociais destinados à assistência, saúde e promoção da autonomia.

 

Palavras-chave


Questão racial. Segurança Pública. Necropolítica. Racismo. Violência.

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DOI: http://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2526-0065/2022.v8i2.9371

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